O dia de ontem foi marcado com a formatura de minha primogênita. Não marcado pelo atraso considerável de duas horas, o maior auditório da UFRJ absolutamente lotado com mais de 1000 pessoas, formandos em completa euforia pelo evento, mas a emoção que em geral toma conta de situações como essa. Mas havia algo de diferente que nos aguardava.
A despeito dessa emoção, os mestres e doutores integrantes da mesa, em especial, a diretora do curso, Doutora Lúcia, se declarou muito emocionada pela realização de colação tão numerosa. Foram 120 formandos entre as diversas habilitações do curso. Como não poderia deixar de ser num curso de letras, os discursos foram contundentes e emocionantes, tanto do lado dos formandos, como de seus tão queridos professores presentes.
Na tão esperada hora, a entrega dos certificados de conclusão de curso, um aluno muito especial é convocado, se levanta e é imediatamente amparado por uma colega. O dito, pelo que todos os mais de 1000 presentes concluíram, era cego. Com a calma e parcimônia que a situação exigia, ele, ternamente guiado, se dirige à mesa. Foram frações de segundo para imaginar a mesma calma e parcimônia no percurso de sua vida. Sua coragem e perseverança frente o despreparo do mundo e de si mesmo, porque ninguém nasce pronto e porque nenhuma situação, por mais óbvia que possa parecer, é simples ou fácil (o simples costuma ser extremamente difícil).
Deparamo-nos naquele momento com nossos percursos, nossas dificuldades, nossos colegas-guia, nossos certificados a serem duramente alcançados. Deparamo-nos com nossa cegueira, cegueira para a vida, para o outro, para nós mesmos, e nos envergonhamos. Diante de tamanha deflagração não tínhamos outra opção, senão o aplauso. O aplauso forte e emocionado de quem acordou e foi surpreendido pela vida nos seus meandros mais sutis. Nesse momento, antes mesmo do certificado chegar às mãos do aluno, o auditório, em peso, já estava de pé aplaudindo e chorando comovidamente. Não sabíamos mais quem era guia de quem. Éramos todos guias, éramos todos guiados.
Certamente outras “cegueiras”, não tão explícitas para o público, estiveram presentes no longo percurso cadeira-certificado. Cada uma delas merece nossa calorosa manifestação, “cegueiras” físicas, financeiras, dificuldades de ambos os lados. Tanto do lado discente como do lado docente. São problemas de tantas outras ordens que nem cabe aqui mencionar, apenas aplaudir e de pé.