domingo, 5 de maio de 2013

Sobre filhos e guias





  O dia de ontem foi marcado com a formatura de minha primogênita. Não marcado pelo atraso considerável de duas horas, o maior auditório da UFRJ absolutamente lotado com mais de 1000 pessoas, formandos em completa euforia pelo evento, mas a emoção que em geral toma conta de situações como essa. Mas havia algo de diferente que nos aguardava.
  A despeito dessa emoção, os mestres e doutores integrantes da mesa, em especial, a diretora do curso, Doutora Lúcia, se declarou muito emocionada pela realização de colação tão numerosa. Foram 120 formandos entre as diversas habilitações do curso. Como não poderia deixar de ser num curso de letras, os discursos foram contundentes e emocionantes, tanto do lado dos formandos, como de seus tão queridos professores presentes.
  Na tão esperada hora, a entrega dos certificados de conclusão de curso, um aluno muito especial é convocado, se levanta e é imediatamente amparado por uma colega. O dito, pelo que todos os mais de 1000 presentes concluíram, era cego.  Com a calma e parcimônia que a situação exigia, ele, ternamente guiado, se dirige à mesa.  Foram frações de segundo para imaginar a mesma calma e parcimônia no percurso de sua vida. Sua coragem e perseverança frente o despreparo do mundo e de si mesmo, porque ninguém nasce pronto e porque nenhuma situação, por mais óbvia que possa parecer, é simples ou fácil (o simples costuma ser extremamente difícil). 
  Deparamo-nos naquele momento com nossos percursos, nossas dificuldades, nossos colegas-guia, nossos certificados a serem duramente alcançados.  Deparamo-nos com nossa cegueira, cegueira para a vida, para o outro, para nós mesmos, e nos envergonhamos.  Diante de tamanha deflagração não tínhamos outra opção, senão o aplauso. O aplauso forte e emocionado de quem acordou e foi surpreendido pela vida nos seus meandros mais sutis. Nesse momento, antes mesmo do certificado chegar às mãos do aluno, o auditório, em peso, já estava de pé aplaudindo e chorando comovidamente. Não sabíamos mais quem era guia de quem. Éramos todos guias, éramos todos guiados.

Certamente outras “cegueiras”, não tão explícitas para o público, estiveram presentes no longo percurso cadeira-certificado. Cada uma delas merece nossa calorosa manifestação, “cegueiras” físicas, financeiras, dificuldades de ambos os lados. Tanto do lado discente como do lado docente. São problemas de tantas outras ordens que nem cabe aqui mencionar, apenas aplaudir e de pé.

domingo, 25 de março de 2012

Exposição Esculturas Vivas





Viagens.

Histórias.

Memórias.

Mnemosyne, a deusa grega da memória, se contempla no reflexo múltiplo dos espelhos. O presente que se encontra no passado que foi, caminhando por histórias, móveis e objetos de uma infância. Reflexões presentes entre o passado e o futuro num espelho corroído.
Reflexos.

Uma luz âmbar, um certo ar de sótão, conta histórias de Bárbara de Crim V. Histórias que caminham por sabores, aromas, cores e flores. Quantas histórias se tem pra contar? As gavetas abertas do passado perpassam momentos que remontam suas peças. Pedras brutas e pesadas com a delicadeza do vegetal. Os aromas, os sabores, os dissabores de uma vida, histórias da sétima flor que desabrocha e amadurece, que gesta e cria.

Em cada peça, delicadamente preparada, observa-se o processo gestacional. O aprendizado diário da espera. A imponência do mineral, que dispõe de tanto tempo para ser formado, serve de berço ao viço do vegetal, o novo, a vida em perfeita harmonia. A formação rochosa, lenta e caprichosa como os caminhos percorridos de uma vida de forma surpreendente e expressiva.

                                                                                                                               Andrea Madeira






A Exposição Escultura Viva está no Espaço Via Alternativa, de 24 a 31 de março de 2012, na Estrada dos Bandeirantes, 12320, Vargem Pequena, Rio de Janeiro, aberta ao público de 11:00 as 18:00.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Processo

Parto.
Gesto um mundo de ideias.
Minhas dores vêm e vão sem trégua,
então me entrego.
Permito esse entrelaçamento perfeito onde a alma se acalma.
Onde o fluxo é permanente.
Onde há mansidão e harmonia.
A cada parto sua dor.
A cada idéia nascida,
seus processos,
suas contrações,
  contradições,
    confusões,
       confissões,
         contratos,
            colapsos,
         confiscos,
        correntes,
     nascentes,
   novos,
vivos.
Porque gesto um mundo de ideiais
e de cada parto, um novo mundo.
Eu mesmo me parto e reparto e repito.
A cada parto
  um novo ponto,
    um novo ser,
      um novo eu,
        renascer,
          crescer
             ser.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Imagens

 

liberta-me delas... 
para que ambas,
eu e elas, 
possam translar sem limites. 

"Aprender você sem te prender comigo"(TM)

sábado, 10 de dezembro de 2011

Trilha

Onde foi parar o bonde, o trem, o trilho ?
Tudo ia para frente, adiante.

Mas repentinamente parou.
Retrocedeu.
Vejo os trilhos, que já se iam longe a brilhar no infinito,
novamente sob meus pés, em falso
a se abrir.

Tempo, Tempo

Ah, o tempo...esse nosso aliado ou inimigo, 
Em tempo algum indiferente...
Penetra em nossa memória, 
Invade nossas imagens 
Quebra totalmente com uma linearidade que insistimos em fazer existir....

Presentes presentes

Um pé-de-sapato-achado,
um cachorro de rua,
quatro formigas juntinhas
e três estrelas cadentes.
Quatro presentes sem procedência,
sem esteio,
Sem trilha ou tino.

Quatro vidas-bem-vividas, quatro.
Junta-se a estes um botão. 
Tanto faz se for em flor, tanto faz se for de massa, madeira, madrepérola.
Mais um presente que chega: um botão.
Tenho a sensação que muitos ainda virão
E seguirão assim a sina de ser presente.

Presentes  ausentes,
Presentes  presentes,
Presentes  doentes,
Presentes

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Janelas



 A vida passa…
A chuva que desde ontem não parou, cria correnteza pela sarjeta.
Nessa água suja vê-se de tudo: papel perdido, anotações importantes, recados de amor, papel celofane-de-bala, de sorvete, de brincadeiras sem fim, a notinha da padaria, do mercado, da farmácia.
A vida passa na água que lava a vida da calçada.
Faz frio, o frio quieto da solidão, dos monges, das sarjetas embriagadas, cheias de dívidas, cheias de dúvidas, cheias de culpa.
A vida passa…

04 de janeiro de 2011

domingo, 4 de setembro de 2011

Pasta


Fome.
Uma fome que não era fácil de saciar.
Uma fome daquelas que precisa de tempo, fôlego, daquelas que se precisa de dois estômagos, um pra digerir, outro pra ruminar.

E foi pela cor que comecei meu saciamento.
Cores e formas. Um sabor de mangericão, pimenta-do-reino, sal.
Um gosto caseiro, azul, amarelo.
Iniciei o cozimento da pasta, que ainda em ninho instiga meu apetite.

Dispostos transitam entre dois lados.
Revivem a cada matiz.
Renascem de dentro pra fora.
São eles então que me saciam e me instigam.
Ninhos dispostos entre o céu e o inferno.
Entre o dia e a noite.
Entre o estar e o pertencer.
Fazendo clareira entre seu mundo, o meu mundo.
Fazendo poeira de luz e cor, vagabundo.
Tratando do resto de forma digna, explícita, lícita.
Nascendo bufão para ser coroado como imperador.


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Poeticamente o homem habita







Numa manhã chuvosa, fria, enevoada
Uma pequenina se presta ao ardil incessante  
Sua casa constrói de beleza roubada
Trazendo pra si o brilho do diamante
 
Feita de sonhos a delicada parede
Erguida em lugar comum
A estrutura do edifício cede
São os diamantes cantando um a um
 
Quem se importa quanto tempo durará o brilho
Ou ainda a terna moradia?
O feito eterno em verdade, sem empecilho
Foi habitar com poesia

segunda-feira, 11 de julho de 2011

pauta de hoje


Qual o nome da música que você estava a tocar? 
Em tão linda partitura soam notas de vento e a pausa da noite.
Talvez a benvinda contribuição de uma distraída ave entoando seu canto, embelezando sua pauta ou entorpecendo o fim de um compasso...
Que belo som parte dessa pauta?
Seria o canto de um pequeno pássaro a burilar seu ninho ante a pausa de uma noite?
Seria o vento a soprar mínima, semínima em descompasso apressado entrelinhas?
Ou somente a calmaria do azul rallentando poco a poco?
Pelas poucas notas que escreve vejo uma pausa de S(c)em compassos,

Um mundo que está por vir,

Vir-a-ser, em si, em dó,

Sem tempo ou passo

(Des)Compasso


(foto de Julia Filardi)

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Palavras ao vento



Cada um no seu quadrado e todos separados....

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Passos...

marcas livres de um destino













 Sombras... marcas de um destino
marcas de um caminho,
marcas do avesso,

do contrário.
Marcas ilegíveis, indecifráveis, escondidas, re-marcadas, usadas...

Só como caminho,
como destino,
como forma,
como molde,
como laço,

linha,

lúmem,

livre, liberto que foi,
que vai,
que volta sem marca,
sem destino.

Destino e caminho e o que realmente importa













 Caminhei, caminhei até esquecer o caminho,
Até esquecer o destino,
Até esquecer de mim,

Caminhei por entre as árvores,
               por entre as pedras,
               entre as nuvens.

Caminhei sobre o fogo e me queimei,
               sobre as águas e me afoguei.

Caminhei,
e quando esqueci o destino, o destino era outro...

Caminhei e parei,
ou cheguei,
ou nunca parti.

Então parto,
De cócoras.